"O Ministério da Cultura tem que ter a coragem de diminuir o número de apoios e apostar na qualidade"


A ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, considera que na forma como se apoia o sector “tem havido alguma preocupação em satisfazer clientelas”. E defende mudanças. Mas, apesar de concordar com uma visão mais ampla da cultura, que inclui as indústrias culturais, afirma que “o Estado tem que estar sempre onde os bens meritórios não funcionem com a lógica do mercado”.

A visão do Ministério da Cultura (MC) coincide com a deste estudo, de que o sector cultural ultrapassa as actividades mais tradicionais e deve abranger também as indústrias criativas?

Absolutamente. O sector nuclear [actividades culturais tradicionais] tem os seus sucedâneos que se adequam aos públicos, aos gostos, aos mercados, e o novo conceito de cultura abrange todo esse largo espectro. Se analisarmos apenas o tal sector nuclear que é a base, os números não são assim tão extraordinários. É preciso manter a cabeça fria e fazer uma leitura inteligente. Se os resultados são tão favoráveis para este sector, a verdade é que são de espectro muito largo, e aquilo que interessa agora é não desviar o enfoque de que o sector nuclear continua a ser a principal preocupação e deve ser o principal objectivo do MC.

O estudo diz “os projectos a incentivar devem ser encarados numa perspectiva de rendibilização económica alargada e de sustentabilidade”. Muita gente lerá isto como estarmos a privilegiar os números, em detrimento dos conteúdos.

Este estudo aponta para as várias formas de expressão artística que se tornaram também afirmações de economia de mercado. Devemos olhar para essa forma de economia e tirar dela leituras de que precisamos para transformar o outro sector mais nuclear em actividade que contribua também para a riqueza do país. Mas há o receio de que isso faça desaparecer as coisas mais experimentais, que não têm necessariamente esse lado económico. Esse estudo não significa que, pelo facto de vasto sector resultar em PIB, o ministério deve investir mais. É uma prova de que o mercado funciona. O estudo é fundamental para analisarmos onde é que ele não funciona para podermos canalizar para aí os nossos apoios. Queria contrariar um bocadinho a ideia de que, já que é um sector que produz imensa riqueza, o MC deve ter um grande orçamento. Não é esse o caminho. Já há um mercado que reage positivamente às actividades do sector cultural e isso permite-nos fazer uma radiografia de quais são os sectores que precisam que o ministério actue para reequilibrar eventuais desequilíbrios.

Existe sempre um número de actividades culturais que não tem essa vocação de mercado.

E essas são o cerne, o núcleo duro da actividade do MC. E continuarão sempre a ser. O Estado tem que estar sempre onde os bens meritórios não funcionem com a lógica do mercado. Temos é que defi nir o que são os bens meritórios, os que realmente transformam o ser humano no contacto com eles. Aí o Estado tem que salvaguardar que eles continuem a existir.

O estudo fala em “fomentar a competitividade do tecido empresarial do sector cultural e criativo”. Isto é tarefa do MC?

Sim, podemos dar um contributo importante. Há uma linha de actuação que ainda não consegui desenvolver, mas que está nos meus planos, que é tentar encontrar formas de criar linhas de crédito para as pequenas e médias empresas no sector cultural, tal como existem para outros sectores.

Quanto à exportação de bens culturais – aparentemente exportamos mais artesanato (cuja procura está em queda) e menos audiovisual (cuja procura aumenta). Há alguma coisa que o Governo possa fazer aí?

Pode e deve incentivar por via da criação de linhas de crédito especiais para apoio de pequenas empresas que possam potenciar a manufactura e o artesanato português. Tem que haver uma transversalidade interministerial do MC com a Economia, o Turismo. Uma relação, que se pretende cada vez mais próxima, da Cultura com os outros ministérios, pode potenciar o nosso campo de acção.

Esse trabalho já está a ser feito?

Já vários passos foram dados, não estamos a começar do zero. Mas há muito a fazer.

O estudo diz que produzimos ainda mNegritouita cultura a pensar só no consumo interno. Devíamos mudar isso?

O Estado tem obrigação de criar mecanismos para potenciar a internacionalização. Assumo isso como uma responsabilidade nossa também. Mas para termos produtos com capacidade para competir nos mercados internacionais têm que ser produtos bons. Nem tudo quanto produzimos cá tem essa capacidade de competitividade. O que não quer dizer que não haja uma série de exemplos de qualidade notável e capacidade de internacionalização.

Mas há mais que o Estado possa fazer nesse campo?

Sim, absolutamente, há mais que o Estado possa fazer.

O que é que o MC deve fazer a nível da formação de públicos?

Não concordo que não haja públicos. Cada vez há mais. É muito comum encontrarmos salas esgotadas, nos grandes centros e fora deles. A programação de qualidade tem sempre público. A programação de vanguarda, que apela a audiências mais específicas, nunca tem grandes públicos em qualquer parte do mundo, não somos diferentes nisso. Acho é que o MC tem que ter a coragem de aplicar melhor as suas verbas. Tem havido alguma preocupação em satisfazer clientelas. Qualquer entidade nova tem acesso aos concursos, aos apoios às artes, até o cinema. É um espaço permanentemente aberto. E os fundos são o que são, têm estado a crescer mas não estão equiparados ao potencial de novos agentes que entram neste mercado. O MC tem que ter a coragem de subir a fasquia, diminuir o número de apoios e apostar na qualidade. Até hoje não houve ainda vontade de dar esse passo. Eu tenho muita vontade de reflectir sobre isso e eventualmente dar passos nesse sentido. Acho que é preferível apoiar mais e melhor menos intervenientes do que espalhar pouco por muitos, o que leva não a um crescimento sustentado na qualidade mas apenas a ter mais intervenientes no sistema.

E com que critérios?

Os critérios estão a cargo dos júris e não quero discuti-los. O que me parece é que há essa preocupação de ir alimentando um sector e que se vai permitindo que cada vez mais entidades entrem no sistema da subsídio-dependência. Se calhar, está na altura de orientarmos melhor, e com mais investimento, menos projectos.


PÚBLICO
Por: Alexandra Prado Coelho

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